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UM NOVO COLISEU

Quer saber, não me envergonho de assumir. E sempre que posso, deixo bem claro a minha aversão, meu asco, meu medo, meu desespero diante desta terrível criatura, desta nojenta ameaça, desta... me perdoe a palavra: barata! Vira e mexe, uma mexe, eu me viro e me vejo diante desse constante pesadelo. Aquelas perninhas, aqueles olhinhos, aquela casca, aquilo tudo me desespera e, em defesa, parto para o ataque. Estou sempre em embate com alguma delas. À primeira vista, pode até parecer uma luta desigual, mas se vier apenas uma de cada vez e eu não for pego de surpresa, com as armas que sempre deixo ao alcance pela casa, tenho razoáveis chances de vitória.

E olha que hoje aconteceu mais um “round” dessa luta. Um “round” curioso: ao entrar no banheiro, algo se mexeu no canto, próximo ao ralo em forma de flor. Uma das pétalas estava diferente, colorida, animada. Era ela, e eu pulei para trás feito gato e, num segundo, me armei do rodo e voltei. A pétala estava lá. Levantei a arma, mirei o golpe... mas me contive. Não, não faltou coragem. Ela era muito pequena, um filhote, um neném. Deu-me pena, e pisando a barra do meu medo, abandonei o rodo, armei-me do chinelo e aproximei-me um pouco mais. Ela se afastou alguns passinhos e olhou pra mim. Não parecia querer me fazer mal. Era uma criança ainda sem pecados. Eu podia jurar que, em sua ingenuidade, não tentaria atirar-se em minha direção, num voo repentino, fazendo-me correr, levando no peito o que encontrar pela frente até chegar ao quintal. Abaixei-me então, mas com o chinelo erguido no ar. Ela até se encolheu, temendo a aproximação. Compadeci-me e abaixei a arma. Como poderia fazer mal àquela pequena criatura começando a vida? Não lhe tiraria a satisfação de se embrenhar num lixo fétido e se extasiar no interior de um cocô de cachorro. Seria desumano de minha parte não permitir que ela conhecesse a imensa ventura de atirar-se de cabeça numa fossa recheada de estrume e aproveitar ao máximo aquele repugnante mau cheiro. Nunca lhe negaria a felicidade de correr radiante atrás de um ser humano medroso, feito eu. Não, eu não faria isso ao meu pior inimigo, que era ela. Devo confessar que, por um momento, achei-a bonita, com suas reduzidas partes asquerosas. Com a mão na extremidade do chinelo, mantendo a máxima distância possível, estiquei o braço e empurrei-a, carinhosamente, para dentro do ralo. Ela obedeceu e eu me ergui.

Acho que cumpri direito o meu papel. Quem sabe a gente se encontre por aí, um pouco mais tarde, dias depois, quem sabe nesse mesmo banheiro, ela então adulta e eu um pouco mais velho... com certeza estarei guardando comigo a mesma opinião sobre a sua condição de inseto vil. Aí, a história será diferente. Não cantarei vitória antecipada, mas prometo dar tudo de mim, lutar com todas as forças, com todas as armas possíveis. O banheiro se transformará em um novo Coliseu. Só um de nós sairá vivo; sem aplausos, sem risos, sem pão.

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