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Miguel Patrício -

Pedido de Socorro

O lugar era conhecido como Capão do Mato, uma área esquecida do lado poente de uma grande fazenda. Ali as árvores se ajuntavam e se abraçavam com seus longos galhos, e a densa folhagem fazia o ambiente escuro e sombrio, mesmo à luz do dia. Naquela época, há mais de meio século, não faltava chão para o cultivo do milho e do arroz e para a formação da pastagem do gado, por isso ninguém se aventurava naquela direção. Nem se incomodava com aquele inquietante silêncio que por ali se escondia.

Eu era ainda criança, mas me lembro muito bem. Naquela região, a noite chegava mais cedo, já que o sol logo era alcançado pelas copas do referido matagal, motivo que contribuía ainda mais para o distanciamento das pessoas. Assim, o local permanecia esquecido, até que, de seu interior, principalmente nas noites mais escuras, começou a surgir uma estranha bola de fogo brilhante, que se levantava e seguia em direção às sedes mais próximas, sobrevoando os telhados, os terreiros, os currais, iluminando o caminho por onde passava. Era comparada, por aqueles mais românticos, a uma estrela errante que abandonava a infinita altura dos céus para se exibir próximo da terra.

Por inúmeros dias, por longos meses, a luz insistiu em brilhar. Surgia repentinamente, fazia seu costumeiro percurso e voltava sempre para o mesmo lugar, o centro da mata, logo depois do córrego, lá adiante no sopé da colina. O receio que mantinha as pessoas afastadas de lá, certa vez, foi vencido pela curiosidade e, com a anuência do fazendeiro, alguns peões armaram-se de seus facões, espingardas, lanternas e seguiram aquela inquietante bola de fogo. Estavam decididos. Nem mesmo as perigosas onças, que por lá certamente existiam, iriam impedi-los de desvendar o mistério. E assim foi. Andaram por longo tempo abrindo o mato, cortando galhos, pisando a densa camada de folhas secas feito imenso tapete no chão estendido às visitas. No alto e um pouco à frente, a luz seguia, indicando a direção e ajudando a iluminar a difícil caminhada.

O naco de coragem já estava se esgotando, quando subitamente a luz foi diminuindo a pressa e parou sobre uma clareira de improvável existência numa mata tão fechada. O grupo chegou, e as lanternas, seguradas com firmeza, se deslocaram em todas as direções, efetuando uma frenética dança de luzes que aos poucos foi se acalmando e fixando-se num mesmo ponto. Com o aumento da claridade, uma tétrica cena foi se formando diante dos incrédulos peões. No grosso tronco de uma árvore, surgiu a figura de um esqueleto humano, um fantasma real de corpo inteiro pregado na madeira. Aos poucos, os homens foram se aproximando e entendendo o caso: alguém havia sido amarrado em pé naquele tronco e abandonado ali, entregue à morte. Com o passar do tempo, o corpo se decompôs e os ossos se entranharam nas grossas cascas da árvore, passando a fazer parte dela. A natureza tinha abraçado e acolhido para si a infeliz criatura até aquele momento. E a luz, a luz surgia dali todas as noites para revelar aos vizinhos aquele funesto e longo tormento. O insistente brilho era, na verdade, um pedido de socorro, um macabro pedido de socorro!

No dia seguinte, com as ferramentas apropriadas, os peões voltaram ao local e cortaram o lado da árvore onde se encontravam fixados os ossos da triste vítima. Aqueles restos mortais, sempre com respeito e cuidado, foram levados para a fazenda onde ganharam uma digna sepultura. Toda a vizinhança apareceu para erguer sobre a terra uma cruz e rezar um terço em intenção de sua alma. Eu era criança, mas me lembro muito bem. A luz nunca mais apareceu, e a paz voltou a reinar nas sedes próximas e no interior daquele capão de mato.

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