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Diários de Uma Bicicleta VI - Sobre a Fragilidade Humana

Diários de Uma Bicicleta VI - Sobre a Fragilidade Humana

 

Resolvi mudar um pouco. Como em qualquer situação em que nos dispomos a mudar acabei por enfrentar algumas surpresas desagradáveis e suas consequências. Agora, mais atento ao caminho do que ao destino, pude aprender muito com este fatídico episódio que se segue.

Decidi pedalar na cidade. Passeando pelas ruas pude observar as pessoas entrando e saindo das lojas, e ao sair cheias de sacolas nas mãos. Em alguns casos sacolas que mal podiam carregar... Fiquei pensando: “Como gostamos de nos entupir de coisas que nem sempre precisamos! Que carência é esta que nos motiva a acumular tanta matéria muitas vezes desnecessária à nossa vida”!

Descendo uma avenida prioritária, atento mas tomado por estes pensamentos, não pude evitar a colisão com uma moto que desvairadamente atravessou a avenida principal sem frear e sem olhar! Bati com minha bicicleta no meio da moto e voei alto sobre ela caindo alguns metros à frente. Enquanto voava por sobre a moto (nesta fração de segundos) agradeci o fato de desta vez não ter me esquecido de afivelar o capacete (lembram-se do Diário II?) que foi a primeira coisa que bateu no chão. Caí de lado com a cabeça e corpo rolando, e quando parei de rolar, consciente tentei me levantar. Caí de novo com uma imensa dor no joelho que estralou ao ponto de me fazer ouvir seu ruído me jogando dormente no chão. “Por que não fui pra minhas trilhas, onde o ar é mais puro e não tem trânsito?!” Pensei desolado.

Logo um tumulto de gente, e um zunido distante de uma ambulância. Socorreram-me e imediatamente fui levado ao hospital mais próximo. Num limbo entre consciência e inconsciência, ouvi dizerem que teria que operar o joelho. Havia rompido o ligamento cruzado.

De repente me percebo em uma maca. Aquela cena que só quem já viveu pode compreender, onde só via o teto estreito em movimento e só ouvia o tilintar das rodas da cama móvel se dirigindo para sala de cirurgia, fria e indesejável.

A entrada da sala começa bem escura, depois vai ficando clara, muito clara. Parece mesmo uma sala de cirurgia, destas que vemos na TV, a não ser pela ausência de gente. Não vi aquela quantidade de pessoas que geralmente ilustram este palco da cura física. No teatro da vida este é um Ato que definitivamente não gostamos. Quando fui transferido da maca para a mesa de cirurgia senti muita falta do meu aconchegante colchão. Como é dura e desconfortável aquela cama! Mais duro ainda é se perceber naquele local...

Foi-me aplicado um soro com sedativo pelo simpático anestesista. A sala muito fria fazia gelar meus pés e mãos, já molhados de suor pela minha hiperidrose e natural ansiedade. De repente ele pede que eu fique numa posição lateral encolhendo as pernas simulando uma posição fetal. Por instantes tive um assustador pensamento: “Que irônica a vida, exatamente como cheguei vou sair deste mundo!”. Tentei experimentar um pouco esta tensão mais o poderoso anestésico foi mais rápido e sábio, me apagou antes que eu me afligisse.

Dali por diante só ouvi lampejos de vozes, como se cego flutuasse pela sala sem nada ver, ouvindo pessoas falando uma língua sem sentido e um intermitente, tum tum tum tum, que de alguma estranha maneira me ninava. Afinal era melhor que um tuuuuuuuuuuummmmmm...

Bem, já no quarto, ainda transitando entre vigília e subconsciência experimentei o descompasso entre tempo e espaço. O dia já quase terminando e Eu praticamente no mesmo local que há poucos instantes eu estava são, forte e independente. Estava não estou mais...

Agora com uma doçura na voz, no tom, no coração, que são por vezes impróprios de mim. Por onde andava toda aquela arrogância de antes? Nada melhor que este sentimento de fragilidade para medicar nossa prepotência. O sofrimento e a dor são únicos e mágicos sentimentos capazes de nos colocar em igualdade com todos. Estava Eu sentindo um pouco do que sentem as corajosas pessoas que tem seus corpos pela metade (como assusta a gente esta sensação!), as pernas imóveis e sem sentidos (ainda sob efeito da raquianestesia), por mais paradoxal que possa ser, são muito pesadas. E este peso eu senti...

Foi quando me lembrei de instantes antes do meu acidente. São pesadas como todas as coisas de que não precisamos e insistimos em carregar na bagagem da vida (não que Eu não precise de minhas pernas, longe disto. Mas naquele momento elas estavam inúteis e estavam ali, pesando).

Bendita enfermidade que pôde me trazer mais este ensinamento. Se não preciso de algo, mas insisto em ter, em dado momento isto vai me pesar, entretanto nada nos basta e vivemos acorrentados às ilusórias posses que vamos acumulando ao longo da vida, sem nos dar conta de que nos tornamos escravos destas coisas e de nós mesmos. Coisas que nos impedem de vislumbrar todos os milagres que acontecem em nossa volta. Milagres não são efeitos de coisas extraordinárias. Acontecem a cada instante em nossa vida, mas a pressa e a preocupação em amealhar tudo de inútil que nos cerca, nos cega para esta percepção. Sem nos dar conta, acabamos nos transformando em tudo àquilo que acumulamos e começamos a nos confundir com isto, perdendo nossa essência.

Nada como nos ater às questões essenciais à vida: a Simplicidade! Acumular coisas não nos torna mais ricos e sim mais pesados. Quanto mais nos ocupamos de encher o baú de nossa história com as simplicidades da vida, mais leve ele fica, e assim também nossa existência.

 

Fabrício Maurício de Oliveira, Psicólogo, especialista em Gestão de Pessoas, Personal e Professional Coach, Escritor, Colaborador e Articulista do Jornal Goiás Interior. fabricioliver@hotmail.com / https://batalhainterior.blogspot.com.br/

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