Goiás Interior - A notícia como ela é !
×
Miguel Patrício -

Brincadeira sem graça

O casal vivia naquele pedaço de terra meio distante dos vizinhos, meio distante dos recursos. Assim, era preciso cultivar quase tudo para a sobrevivência: o arroz, o feijão, o milho, as folhas verdes da horta. A carne vinha das galinhas soltas no quintal e dos porcos presos no chiqueiro, ali pertinho, nos fundos da casa.

E vida na roça é assim: todos os dias quase as mesmas coisas. O homem no preparo da terra, no plantio e colheita dos grãos; a mulher na horta, na cozinha, na lida com as criações e principalmente com as crianças que surgiam quase que a cada novo ano. Já eram cinco e, enfileiradas, pareciam o jogo de lata que havia sobre o armário, uma um pouquinho maior que a outra.

Vida na roça é assim: talvez a distância das pessoas facilite a presença de outros personagens para animar a solidão. Parece que alguém ou alguma coisa invisível aparecia por lá e se divertia à custa das pobres criatura que ali viviam. A zombaria começou com as mamadeiras das crianças. Vira e mexe, uma delas sumia e dava um trabalho danado para encontrar. Depois, foram os bicos. As chupetas dos cinco meninos, que vez em quando desapareciam e, só depois de algum tempo de procura, suas cores vivas brilhavam em lugares bem inusitados, até mesmo sobre a cerca do chiqueiro ou dentro dele, misturadas com os porcos.

O estranho fato passou a irritar a mulher, pois era ela que frequentemente procurava os objetos e lavava com cuidado para serem usados outra vez. Quem mais se incomodava, no entanto, era o homem, que tinha seu sono interrompido no meio da noite pelo berro de uma das crianças reclamando a falta do bico na boca. Podia levantar e ir ao quarto delas conferir. A coisa havia passado por lá e levado o engambelo não-sei-pra-onde. O homem chegou a pensar, por algumas vezes, que a própria mulher executava aquela brincadeira sem graça, mas logo se deu conta de que havia mesmo por ali, entre eles, uma entidade qualquer fazendo aquilo, uma assombração, quem sabe alguma alma perdida de um antigo morador daquela casa.

Depois de perder o sono por algumas noites, o aborrecido camponês, ruminando alguns palavrões, resolveu colocar os bicos em cordões e amarrar nos pescoços das crianças para dificultar o autor da traquinagem. De quebra, desabafou a sua ira dizendo que agora queria ver essa desgraça arrancar as chupetas do pescoço delas. Não foi nada! Naquela madrugada, todas as cinco criaturas reclamaram quase que ao mesmo tempo. O homem se levantou e, chegando ao quarto, percebeu que nenhuma tinha mais o bico no pescoço. Dia seguinte, nem procurou dentro da casa. Foi só o sol clarear lá fora ele foi, em companhia da esposa, até ao chiqueiro. Tinha quase certeza de que os bicos estavam lá, só não imaginava que os encontraria pendurados, com os cordões, nos pescoços dos porcos. Foi uma cena até bonita de se ver: os animais, sujos de barro, andando no cercado com aqueles penduricalhos brilhantes, balançando pra lá e pra cá. Dizem que tinha até porco mamando no bico.

Só com muita reza, a família conseguiu, tempos depois, viver em paz naquela casa. A assombração se aquietou ou foi realizar suas brincadeiras em outro lugar, com outras pessoas, com nova solidão.

Edições Anteriores
Goiás Interior TV