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Miguel Patrício -

O REAL E O IMAGINÁRIO

Há sempre uma longa distância entre o real e o imaginário. É preciso conhecer, ver de perto para se certificar da veracidade de todas as coisas. Assim é, e exemplifico a afirmativa narrando um fato acontecido com Manoel, um camponês amigo meu. Já se faz bastante tempo...

Ele se levantava todos os dias antes do sol tingir de amarelo as encostas dos montes que rodeavam o pequeno sítio em que morava. Todos os dias tirava o leite e levava no ponto para o transporte, esparramava o gado nos pastos, alimentava os porcos, as galinhas, depois corria para ajudar a esposa no espremer dos queijos que seriam vendidos aos domingos na feira. À tarde repetia quase tudo e ainda cuidava da horta nos fundos da casa. Tudo isso tinha a hora certa, e Manoel não se atrasava graças à frequente e fiel sintonia da Rádio Brasil Central de Goiânia.

O radinho de pilha era o seu constante companheiro. Quase sempre sujo, mudava-se constantemente de lugar conforme a tarefa executada pelo dono. Vivia nas cercas do curral, entre as tábuas do mangueiro, no alto do paiol, espalhando a alegria dos comunicadores, as belas canções sertanejas e a hora certa quase que de minuto a minuto. Seu relógio de pulso e os da vizinhança eram todos acertados religiosamente pela voz dos locutores. Não havia referência melhor; a confiança na emissora era total. Assim seguiam os trabalhos, começados e terminados sempre na hora certa.

Em uma dessas trapaças do destino, meu amigo teve que acompanhar a esposa à Capital para cuidar da saúde dela. Numa sobra de tempo, surgiu a oportunidade de conhecer a rádio que ouvia, sua parceira nas tarefas do dia a dia. Foi muito bem recebido na portaria e, em seguida, convidado para se dirigir ao estúdio, exatamente na hora de seu programa preferido. Ele nem acreditava que seguia pelos corredores daquele mundo mágico e que parecia tão distante. Mas era verdade. Uma porta se abriu e logo surgiu a conhecida voz do locutor, admirada há tantos anos, só que agora ouvida pessoalmente.

Por uma parede de vidro, Manoel assistiu o desenrolar do programa. As músicas, os discos dos cantores, a risada gostosa do apresentador e a hora certa. Isso mesmo, a hora certa ditada com entusiasmo, ali era acompanhada pelo tic-tac nervoso de um velho e encardido despertador encostado no canto da mesa. A surpresa foi imensa! Não era possível conceber que toda a confiança que ele, sua família e os vizinhos tinham era depositada naquele pequeno e arcaico aparelho, semelhante ao que ele mesmo possuía e que viva dando trabalho, necessitando de reparos.

Numa pausa do programa, o boquiaberto homem pôde entrar e cumprimentar o apresentador, mas sua atenção era toda do surrado relógio rodeado de jornais e cartas dos ouvintes. Manoel se despediu, agradeceu a acolhida e voltou ao sítio, retomando a mesma rotina de trabalho. Só uma coisa mudou: a segurança, a certeza que tinha nas horas e nos minutos ditados pela emissora. O infalível aparelho que havia conhecido não era nem a sombra daquele que sempre imaginou. Há mesmo uma longa distância entre o real e o imaginário!

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