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Miguel Patrício -

Fair Play da roça

O palco da história de hoje é a vasta região que circunda nossa cidade, dividida em vários sítios de alguns poucos alqueires, onde predomina a atividade pecuária. É fácil perceber que nessas terras ainda se guardam alguns bons costumes, algumas poucas gentilezas, enfim atos de civilidade que infelizmente se derretem aos poucos no calor do asfalto das cidades. É natural um sitiante espalhar sua cortesia além dos limites de sua gleba, sempre que for oportuno ou necessário. Correndo pelas poucas nascentes, rodeando morros, roçando as pontas do capim que formam os pastos, existe um fair play natural, nascido e cultivado por ali mesmo, sem acordos, tratos ou assinaturas, um fair play da roça.

Assim é quase que obrigação um sitiante cuidar do seu gado, mas com o olhar voltado para as necessidades da criação vizinha. Há frequentemente uma rês alheia que atola no brejo ou se enrosca nos arames da cerca, um bezerro recém-nascido sem os cuidados necessários lá no pé da serra, a muda de um fogo que brota perigosamente lá no cerrado e até mesmo um cocho faltando pitadas de sal quando o confrontante se demora um pouco mais em alguma atividade longe da sede. São cuidados pequenos, mas importantíssimos que ninguém deixa de prestar ao vizinho. Claro, cada um cuidando primeiro dos seus interesses, tocando a sua bola, mas sempre praticando o jogo limpo.

E não fica por aí, o fair play vai mais além. Pelo menos foi, em certa ocasião quando a esposa de um sitiante teve que se estabelecer por algum tempo na cidade para cuidar de um parente. Após algum tempo de sua ausência, certa mulher da chácara ao lado, sabendo que o homem já se encontrava por vários dias, semanas até sem uma boa companhia, uma palavra de carinho, um sorriso, um consolo, sem... sem aquilo, vocês sabem, a dita mulher saiu de seu quintal com uma cesta na mão para procurar ovos de galinha-d´angola. O falso pretexto levou-a até ao pequeno canavial vizinho e, logo que foi avistada pelo pobre e carente morador, a sua procura de ovos teve fim.

O fair play aconteceu ali mesmo. Não se sabe se apenas uma ou mais de uma vez, voltando tudo ao normal quando a esposa do sitiante regressou da cidade. É provável que o marido traído, lá do outro lado da cerca, tenha ficado sabendo, mas não houve arrelias, não se sabe por que, talvez em nome dessa amabilidade entre os moradores, dessa deferência e consideração com o outro, desse costume de repartir o que têm, enfim, desse fair play da roça.

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