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Miguel Patrício -

DONA MARIA

Uma amiga me levou até ela. Chegamos à sua casa, o portão se abriu e fui apresentado. Seu semblante se perdeu entre a cordialidade e a surpresa. Ela queria me conhecer: lia meus romances, meus poemas, minhas crônicas. E eu entrei no mundo reservado a poucos de dona Maria.

Surpresas estavam destinadas a mim também. Ganhei um abraço, café e biscoitos. Conheci uma bela alma e uma ávida leitora, daquelas que não se desgrudam de um livro, se é atrativo, e só o devolvem à estante depois de folheada a última página. Com amabilidade permanente no rosto, falou da vida revelando a sabedoria alcançada na leitura e no decorrer de seus fartos anos. A agradável conversa seguiu a tarde em seu caminho por vários e proveitosos minutos, horas talvez.

Vários detalhes me chamaram a atenção, um deles especial: em certo momento, a simpática senhora predisse que seus dias estavam chegando ao fim, pois as poucas coisas que ainda desejavam, estavam acontecendo ultimamente. Para ela parecia um aviso dos Céus, fato que naturalmente não levei em consideração. Vi muito brilho em seus olhos, muita alegria em seu sorriso, muita força em seus braços e muitos sonhos em seu coração. Quem tem tudo isso, tem muito ainda para realizar.

Dona Maria confidenciou que lê, recorta, guarda meus textos do jornal e que sempre chora ao reler trechos do meu livro Asilo de Emoções. Como alguém pode pensar tudo isso? Ela perguntou. Não sei se o que escrevo é tão bom assim, dona Maria, mas tento fazer o melhor a cada dia, atendendo ao desejo de meu pai e minha mãe que, de origem campesina, mudaram-se para a cidade para que eu pudesse estudar. Deixaram suas terras, suas raízes, seus tesouros por minha causa. A partir daí eu tive essa tarefa para cumprir, era mais que uma obrigação saber ler e escrever. Hoje vejo que atingi o objetivo, pois até me tornei professor e ensino o que aprendi. Em meus textos, compartilho com as pessoas momentos preciosos que a existência nos oferece e às vezes passam despercebidos. Missão cumprida, meu pai e minha mãe!

Após auferir da vida a ventura de atingir certa idade, é comum e de fácil perdão caminhar ao lado do esquecimento. Não me lembro do sobrenome, dona Maria, porém jamais me esquecerei de suas feições e emoções. Confesso satisfeito que, de nosso encontro, trouxe comigo mais do que deixei.

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