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O Buraco

Com o período de chuvas, ele apareceu tímido, mas saudável, e foi crescendo com o passar dos dias. A Administração Municipal não deu “bola” para sua existência e ele se aproveitou desse descaso e se alimentou mais e mais da enxurrada que descia a rua. Engordou como um porco de boa raça, bem tratado no chiqueiro. A cada dia abria maior a sua boca, já se sentindo importante, pois as pessoas que passavam, diminuíam a pressa para observá-lo e ninguém mais tinha coragem de seguir diretamente em sua direção.

Inicialmente foi um problema para mim; o buraco surgiu exatamente na direção do meu trabalho. A rua estreita não me dava boas opções de desvio e eu tinha que fazer sempre uma nova manobra para não atingi-lo e, ao mesmo tempo, não perder toda a velocidade do carro. O danado parecia ter vida própria, pois constantemente eu roçava algum pneu em suas bordas. Os solavancos, a cada dia, aumentavam de intensidade e eu via, pelo retrovisor, a sua cara gorda de contentamento. Na volta para casa, ao tocar o volante, eu já me lembrava dele e me preparava para ultrapassá-lo sem maiores dificuldades; no entanto, perdia a disputa. O buraco sempre tinha uma carta na manga; chegou até a arranjar alguns amigos menores para ajudá-lo. Para aumentar as minhas chances, eu pensava em diminuir o máximo possível a carreira, mas era apressado pelos constantes automóveis que apareciam na retaguarda.

Um problema, realmente. Mas o ser humano, filho de Deus, tem capacidade infinita e consegue, quando quer, vencer todos os obstáculos da vida. Com esse pensamento otimista e a fé que sempre guiou os meus passos, resolvi estudar uma saída para o caso. Desenhei em um papel a localização do buraco. Medi sua grandeza e analisei sua forma. Levei em consideração as dimensões da rua e a distância entre as rodas do meu carro. Marquei também a disposição exata de seus companheiros e a distância de todos eles ao meio-fio. Finalmente tracei uma rota que me parecia a mais provável de alcançar o sucesso. Eu teria que me desviar do primeiro ataque, avançar alguns metros na contramão e voltar rente ao seu lado esquerdo; depois seguir por alguns metros e passar a roda direita sobre o acostamento meio coberto pela terra. E foi assim. Só se ouviu o meu grito de triunfo: Yes!!!

Agora me sinto feliz. Manhã e tarde são dois belos momentos para mostrar a minha habilidade. Claro que a volta ainda é meio lenta, já que preciso fazer o percurso ao contrário, mas estou quase chegando à perfeição. Vejo outros automóveis enrolando-se na passagem e me lanço, triunfante, pelo caminho desenhado em minha mente. Sei que estou causando até inveja por aí. Aliás, a minha preocupação agora é outra. Ouvi dizer que aconteceu uma mudança nos administradores que cuidam dos destinos de nosso Município. E se o novo dirigente, querendo mostrar serviço, revolve tapar o buraco? Pois é, e logo agora que eu me especializei na travessia? Não, não pode ser. Acho que a prioridade é colocar os salários do funcionalismo público em dia, depois, sim, pensar em recapear as ruas. O meu buraco preferido não pode ser tapado logo agora.

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