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Miguel Patrício -

TRAVESSEIRO DE PAINA

Das inúmeras recordações do meu tempo de criança, uma está sempre presente nos dias atuais. Não há como esquecer a época em que eu vivia na fazenda junto aos meus pais, meus irmãos e as dificuldades do lugar. A luta era constante, muito trabalho durante o dia, até finalmente chegar a hora do descanso quando a nítida luz do sol era trocada pela fosca claridade das lamparinas. Esse esperado momento surgia para todos... menos para mim.

Quando minha mãe estendia o lençol em minha cama, branquinho, feito o carinho que tinha por nós, não sabia que eu pouco dormia, que preferia deitar no chão batido do quarto, sem levar comigo o colchão e principalmente o travesseiro, os dois recheados de paina, que ela mesma confeccionava com a nossa ajuda. Retirada do fruto da paineira, essa fibra sedosa semelhante ao algodão era muito usada na época, aliás, era a única que tínhamos. Muito macia, é verdade, mas tinha um problema que me incomodava muito e que tirava o meu sono. Em meio à paina e algumas sementes que ficavam, apareciam inúmeros bichinhos que se movimentavam a noite inteira, o tempo todo, dentro da embalagem do colchão e sob a fronha do travesseiro. Não sei se eles já existiam junto à fibra ou se apareciam depois; só sei que dormir, para mim, era uma tarefa extremamente difícil.

As horas iam passando e eu virando e revirando na cama. Tentava não ouvir aquelas patinhas ferindo o tecido do travesseiro, mas não tinha jeito. O som quase imperceptível, perto das orelhas, se tornava enorme, assustador. Eu morria de medo de algum escapar e penetrar em meus ouvidos. Se reclamasse, recebia logo uma advertência dos meus pais, quase sempre mais ríspida “deixa de amolar, menino”, às vezes mais carinhosa “fica quietinho e dorme, meu filho”. Mas como dormir com aqueles bichinhos mexendo pra lá e pra cá entre as sementes? Eram terríveis aquelas horas! E não adiantava afastar o travesseiro, porque eles estavam espalhados por todo o colchão. As horas iam passando, o cansaço ia fechando meus olhos e, finalmente, eu me entregava ao sono. No outro dia, ao acordar, saltava logo da cama para me livrar daquele castigo, daquele desespero.

Hoje, depois de tanto tempo, as coisas mudaram, as dificuldades diminuíram e eu posso dormir em um bom colchão e um bom travesseiro. Na verdade, faço questão disso. Penso que mereço esse momento de descanso. No entanto, sei que aqueles pisados sob a fronha do travesseiro vão me acompanhar pela vida toda em minhas recordações; pisados de certos bichinhos de minha infância, junto às sementes, em um travesseiro de paina.

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