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Miguel Patrício -

UM TAL DE BAIANINHO

É famosa a frase de William Shakespeare que diz: “Há mais mistérios entre o céu e a terra do que a vã filosofia dos homens possa imaginar”. Famosa e verdadeira! Muitos acontecimentos, inúmeras situações a gente não consegue entender. Eu presenciei algo surpreendente, que compartilho agora com vocês.

Eu era criança, seis ou sete anos, e corria pra lá e pra cá entre os animais de menor porte e os peões de maior confiança que se misturavam no terreiro da casa grande, sede da fazenda onde minha família viveu. No início da noite, a peonada tinha o costume de se reunir por ali para um bate-papo e principalmente para o café que minha mãe fazia. Entre eles havia um rapaz moreno; não me recordo idade nem fisionomia, mas o nome ficou na lembrança: era um tal de Baianinho.

Por algum também desconhecido motivo, eu me afeiçoei a ele, ficava constantemente grudado na barra de sua calça enquanto ele proseava com os colegas. Da conversa nada entendia, mas adorava vê-lo desatar os nós que eu fazia. Comecei com alguns cordões de fácil manuseio, depois fui recorrendo a outros mais finos até chegar às antigas linhas de carretel que minha mãe usava em sua máquina de costura. Ele desmanchava todos! Surpreendente também era a quantidade de nós. Um, dois, três, depois passei a fazer um número que nem me dava conta, todos de uma vez. Eu via nascer um novo cordão, cheiinho de caroços, todos arrochados, grudados uns aos outros. E ele desamarrava e desamarrava, em um tempo tão pequeno que era impossível acreditar. Eu repetia os nós, e ele repetia a manobra.

Não era um truque. Devido à minha pequena estatura, eu ficava exatamente no nível de suas mãos, que trabalhavam tranquilamente e me entregavam o cordão limpo, lisinho. Definitivamente não era um truque, tampouco habilidade. Meus olhos ficavam a um palmo do desmanche e eu não perdia um movimento sequer. Havia algo sobrenatural naquela sua naturalidade de desfazer os nós. E o mais interessante: ele nem olhava para mim ou para o emaranhado de linha que lhe era entregue. Suas mãos trabalhavam simplesmente. Quando terminava, estendia a tarefa concluída em minha direção enquanto concluía um assunto qualquer. Nunca disse isso a alguém, nem a meus pais. Parece que eu entendia ser um segredo, só entre mim e ele. Um segredo que talvez ele não pudesse ou não soubesse direito como explicar. O certo é que a minha pequena quantidade de anos havia ganhado a sua confiança.

A história já tem bastante tempo. O peão se foi da fazenda alguns anos depois e possivelmente já tenha ido também deste mundo. Obrigado, Baianinho, pela confiança.

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